Histórias de Moradores do Bairro Belenzinho


Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores do bairro da Capão Redondo.

História do Morador: Alex Periscinoto
Local: São Paulo
Publicado em: 07/07/2005

História: Inovação na publicidade

Sinopse:

Identificação e origem do nome da família. Infância em Mococa. Vinda para São Paulo e primeiros trabalhos. As obrigações dentro de casa. O interesse pelos desenhos dos jornais. Trabalho nas Indústrias Matarazzo e ida para a Sears. A publicidade na época. Ida para o Mappin. O trabalho de free-lancer para a Volkswagen e as agências de publicidade da década de 60. O desenvolvimento de seu trabalho. Avaliação do consumidor. Sociedade com José de Alcântara Machado e as campanhas que fez. Sonhos. Atuação na Feira da Bondade. Avaliação da entrevista.


História

Meu nome é Alex Periscinoto. Nasci em Mococa, estado de São Paulo, no dia 08 de abril de 1925. Meu pai é João Periscinoto e minha mãe é Tereza. Ambos vieram de Veneza e chegaram aqui já casados. Meu irmão mais velho nasceu lá e veio pra cá 12 anos depois da família ter imigrado para o Brasil.

IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

Meu pai veio logo depois da Primeira Guerra, em 1919. A fome apertou na Itália em geral, particularmente em Veneza. Porque passar fome na Itália é tão ruim como em qualquer outro lugar, mas passar fome em Veneza é uma fome úmida, tem muita água e muito frio, que é pior do que em qualquer outro lugar também devido à umidade. Meu pai era um daqueles imigrantes que Charles Chaplin representava muito bem. Quando ele decidiu com os amigos que sairiam de Veneza, tinha dois navios à disposição para os imigrantes: um para Boston e outro para o Brasil. Meu pai andava a caminho do navio de Boston quando o amigo dele chamou a atenção: "Giovanni, Boston, pio fredo que cuá". E o medo do frio fez pra ele vir pro caminho do sol: o Brasil.

SOBRENOME DA FAMÍLIA

Há algum tempo eu visitei Veneza e tem muito Periscinoto lá. Fui ao cemitério e vi uma rua de Periscinoto. É um sobrenome difícil de encontrar em qualquer lugar, mas em Veneza é como João da Silva. Lá eu andei perguntando sobre a origem do nome da minha família. É um nome composto e, bem lá pra trás, na raiz das árvores genealógicas, tem alguma coisa ligada com a Áustria porque muitos austríacos desceram para Veneza. Também tem algo ligado a Triesta. Essa cara de alemão ou de polaco. Deve ter sido um bisavô, alguém que veio da Áustria, mas eu não consegui pegar esse fio da meada todo não. Meu Periscinoto é com "sc", mas o original na verdade é com “ss”, Perissinoto. Quando meu pai foi me registrar o rapaz do cartório errou e meu pai disse: “Está bom!” e pensou “Deus me livre corrigir o cartório". Então ficou isso mesmo.

SÃO PAULO ANTIGA - Belenzinho

Quase nós todos nascemos em Mococa e viemos para São Paulo morar no Belém, no bairro do Belenzinho. Na época era considerado periferia porque as ruas não tinham calçamento e era bem distante da cidade. Ali por volta da Rua Tobias Barreto e Siqueira Bueno era uma lama só.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – Entrega de leite

E ali na região tinha uma vacaria onde, aliás, foi um dos meus primeiros empregos. Eu era entregador de leite. Carregava duas cestas de lona grande, com 4 litros de leite pesados e barulhentos em cada uma delas. Mas na época, para mim, nem representava esse peso todo. O cuidado para não quebrar é que era mais chato. Eu entregava leite bem distante daquele ponto da Tobias Barreto com Siqueira Bueno. Eu andava quarteirões e quarteirões pela manhã, mais ou menos entre 5h00 e 7h00. Chegava a ir até o Tatuapé para entregar o leite. Quando chegava em casa tomava um banho rápido para ir pra escola – eu entrava entre 7h00 e 7h30. Por esse trabalho eles me pagavam com dois litros de leite por dia. O que era muito bom e eu recebia na hora. Minha mãe gostava muito da ideia. Acho que foi o primeiro emprego que eu recebia à vista. O pagamento era diário e não tinha inflação.

EDUCAÇÃO – ESCREVENDO AO CONTRÁRIO

Eu só fiz o primário, porque a partir de 12, 13 anos eu tinha que trabalhar. Então, a primeira e última escola em que eu estudei foi em Mococa, no grupo Barão de Monte Santo. Era um pouco sofrido porque eu sou tipo dispersivo: o professor está falando e eu estou em outro lugar. Aí volto do sonho e não percebi o que ele está falando ainda. Mas isso até dava pra controlar. Mas pior coisa da escola era eu ser canhoto. Hoje a minha filha, Alexandra, e minha neta são canhotas e é gostoso vê-las escrevendo com a mão esquerda. Mas naquela época, ser canhoto era considerado ser meio aleijado. E como se não bastasse eu ser canhoto, eu escrevia ao contrário. Escrevia da direita pra esquerda. Hoje isso pode ser até engraçado, mas lembro que na época a professora me mandou para o quadro negro para me expor ao ridículo: eu escrevia “Grupo Escolar Barão de Monte Santo” da direita pra esquerda e a classe gargalhava, era um vexame. Eu escrevia tudo ao contrário no papel e eu não podia usar o verso da folha pra fazer a lição porque senão a professora não conseguiria ler.

E ela tinha que ler contra a luz. Então, o verso das folhas do meu caderno estava sempre branco. Era engraçado a matemática: 247 dividido por tal, a queda era do outro lado. Isso provocava a ira da professora. Já é canhoto e ainda tem esse outro defeito! (risos). Assim, evidentemente, eu era mais punido, castigado e observado do que ajudado. Ninguém podia ajudar a não ser chamar a minha atenção pela burrice, pela incapacidade de fazer com a outra mão conseguisse escrever. Lembro que nas tentativas eu sentia cãibra, endurecia tudo, não saia nada. Parecia mesmo um aleijado. Até que num desses dias em que eu estava chorando no corredor, o dentista do grupo escolar, doutor Juvenal, achou que eu estava com algum problema no dente e me chamou. Aí eu expliquei o problema e ele falou: "Ah, senta aqui, vou te ensinar uma coisa”.

E pela primeira vez na vida eu ouvi uma palavra que nunca mais esqueci: “Eu vou te ensinar pantografia". Então ele me explicou como funcionava: “Você pega dois lápis e põe no mesmo ponto, fecha os olhos e tenta fazer uma borboleta.”. A minha primeira borboleta saiu com uma asa assim, e a outra assim, com mais controle motor. "Então você vai tentar fazer isso até você acordar o outro lado do cérebro. Não é a mão, é aqui!”, ele apontou pra cabeça. “Se você acordar o lado esquerdo do cérebro, você vai conseguir. Você já tem o lado direito acordado, só falta acordar o outro.” Aí eu fui tentando fazer círculo, quadradinho, borboleta.

Fui tentando até que num determinado momento eu senti que os dois estavam iguais, os dois tinham quase o mesmo tamanho. Foi indo, foi indo, até que eu comecei a escrever "Alex" igual. Aí eu comecei a escrever também números e um belo dia eu joguei fora a mão esquerda e comecei a fazer só com a direita. Então hoje, pra serrar, pra martelar ou se eu quiser escrever ao contrário só por brincadeira, eu posso fazer. Mas se eu atirar uma pedra com essa mão vou parecer um bicha (risos) e ela não vai alcançar nem um terço do caminho. Agora se eu atirar com a mão direita ela vai longe, porque está desenvolvida. O bom é que pra trabalhar, hoje, posso fazer qualquer coisa porque as duas mãos são úteis. E graças ao doutor Juvenal, dentista do colégio, eu passei a ser uma pessoa normal.

EDUCAÇÃO – ESCOLA

Eu não fui um desses alunos que gostavam muito de estudar. Dependia muito da matéria. Por exemplo, odiava matemática. Mas quando o professor dava aula de história, eu me acomodava na poltrona. Quando o professor usava o quadro negro pra poder exemplificar ou pra ilustrar uma tese, eu tinha uma atenção dobrada no assunto. Adoro história e os contadores de história. Acho que esse filme que está no ar hoje, “Forrest Gump - O Contador de Histórias", é desses que se tem que assistir oito vezes. Então o contar história, dependendo de quem conta, da capacidade da narrativa e de editar as histórias, é um negócio que deveria ter programas de horas na televisão. Agora, a ciência exata não me chamava a atenção, não.

INFÂNCIA EM MOCOCA Da casa onde morávamos lembro de como as coisas ficavam posicionadas. E a gente guarda as proporções erradas, não? Parece que tudo era tão grande e quando você vai ver de novo, já adulto, as coisas não são daquele tamanho. A casa em Mococa, meu pai foi pra lá quando era carpinteiro. Mas ele desenvolveu a capacidade e passou também a pegar empreitada. Nessa empreiteira trabalhava todo mundo. Então, como nós não tínhamos condições nenhuma, ele fez uma carroça pequena de um varal e duas rodas e nós, todos os filhos, puxávamos água pra obra que ele estava fazendo.

TRABALHO DO PAI

Ele trabalhou na construção do convento de Mococa, que está lá até hoje, e também construiu a torre da igreja Matriz de Mococa. Mais tarde, ele pegou a concorrência pra construção da cadeia, que ficava do lado oposto, do lado principal da matriz de Mococa. Aí já não era uma obra de status.

INFÂNCIA EM MOCOCA – produção de vinho de laranja E nós levávamos café e, aos sábados, puxávamos essa carroça com barricas grandes, os tonéis, cheias de água. De vez em quando usávamos esses tonéis pro meu pai fazer vinho de laranja, coisas do know-how que os imigrantes tinham. Hoje uma coisa que eu admiro, mas na época nós odiávamos. Imagine você espremer um caminhão de laranjas num final de semana! Pois era o que acontecia: ele fez um espremedor de madeira raiada para cada um de nós. Aí a gente subia lá naquele tonel e espremia um caminhão de laranja: "Chuá, chuá." Quando aparecia uma podre: "Oh, uma a menos!" (risos) Isso porque diminui a quantidade de laranjas.

A gente enchia um pouco mais de um terço do tonel com o suco de laranja feito à mão, então meu pai preparava, fermentava e aí vinha outra fase: lavar os litros com chumbinho. Lavávamos centenas de garrafas de vinagre, aquela coisa toda que a gente colecionava. Aí depois o pai fazia o vinho de laranja e, quando ficava pronto, colocava nos litros e dava para os amigos. Minha mãe fazia massa de tomate em garrafa. Os imigrantes tinham essa coisa de fazer tudo em casa, até pão. No nosso quintal nós tínhamos forno, tínhamos jogo de bocha.

E era tudo enorme! Há pouco tempo eu fui visitar essa casa e me desiludi com o tamanho porque não era tão grande assim. Mas essa foi a casa confortável. Embora a gente trabalhasse muito duro, tínhamos essa casa. Não tinha sala de jantar, mas a cozinha era grande e o fogão a lenha tinha 10 bocas. E era eu quem tinha que limpar a chapa e tirar a cinza pra fazer sabão: eu misturava a cinza com soda, decoava e então minha mãe não comprava sabão. E quando eu lavava louça pra minha mãe, a bacia de água quente com aquelas panelas enormes ficava de cor cinza mesmo. O fogão também tinha outra função: quando tava frio, a gente acordava cedo e ia pra perto dele pra se esquentar. Cabiam uns três ou quatro garotos e a gente fazia dele a nossa lareira porque nos aquecia. Então a cozinha era “a hot place” e a nossa mesa era enorme.

Também, entre filhos, pai e mãe, nós éramos entre 12 e 14 pessoas. E ali tinha papo, era o chamado "get together". Ali que se decidiam as coisas, ali meu pai passava as coisas para as crianças. Coisas, digamos, sábias pela idade, intuitivas pela sabedoria. A gente não tinha escolaridade além do grupo escolar. Na verdade só o caçula, o Antônio Periscinoto, que hoje trabalha na Abril, é quem faria faculdade mais tarde. Nós juntamos uma notinha cada um e conseguimos pagar a faculdade pro caçula. Mas nós outros não pudemos fazer. Então, o velho, como nós chamávamos papai, nos contava umas histórias pra passar know how e algumas delas eu nunca vou esquecer.

A gente em volta da mesa olhando praquele que foi de fato o nosso grande herói e ele dizia assim: "Olha, vou dizer pra vocês uma coisa: mais vale o que vocês aprendem do que o que te ensinam. Se vocês desenvolverem uma capacidade de aprender, você tem tanta chance quanto alguém que está na escola. Então, você tem que levantar o periscópio, aguçar a curiosidade, observar tudo!". E isso hoje, na minha profissão, é um elemento básico. A área criativa tem como semente importante a observação. Você não pode falar do comportamento das pessoas, não pode fazer publicidade, não pode falar com nenhum telespectador se você não conhece um pouco do vazio emocional dele. Você não impõe alguma coisa, mas sim descobre o que ele quer.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - VACARIA

O trabalho na vacaria, em São Paulo, demorou uma boa temporada. No começo confesso que era uma coisa chata porque tinha que levantar às 4h30 da manhã para às 5h00 estar pronto fazendo as entregas, que levavam cerca de 2 horas e voltando a tempo de ir pra escola. No inverno eu fazia um truque de tomar banho à noite pra não precisar tomar de manhã (risos). E minha mãe examinava atrás da orelha e ficava vendo se eu tinha mesmo feito a unha, ela tinha esses cuidados de higiene com a gente. Mas nem tudo era chato lá e esse emprego acabava sendo gostoso por causa do habitat e de algumas coisas pitorescas. Eu ganharia mais um litro de leite se eu voltasse à tarde pra ajudar a limpar a vacaria. Ah, na hora! Então eu saía do grupo escolar Amadeu Amaral, que ficava no Largo São José do Belém, comia alguma coisa e voltava pra vacaria. E lá tinha algumas coisas interessantes. As vacas ficavam estacionadas como os automóveis em cidades pequenas americanas.

Elas comiam lá no cocho e ficavam tudo de traseira pra cá. Tinha um corredor onde outras vacas também ficavam de traseira. E tinha um rio de concreto por onde corria todo o estrume. Eu tinha que limpar aquilo direito, jogar serragem e depois jogar capim mais cedo. Acontece que as vacas saudáveis a gente via com bons olhos porque limpar o cocô delas é muito fácil. Ele já vem em bolas verdes e o cheiro é muito agradável porque ela é vegetariana, não come carne. Agora, quando aparecia uma vaca com disenteria... A gente já reconhecia pela trilha sonora que era diferente (risos). Então tinha que varrer várias áreas, depois jogar água, dava mais trabalho. Mas era uma coisa divertida aquilo. Também tinha dois ou três cavalos. O cheiro do cavalo era uma coisa muito agradável. E até hoje, depois de adulto, eu tenho uma atração especial por cavalos. Eu gosto do desenho deles. Mas então, depois de lavar esse estábulo comprido, com 20 vacas de cada lado, eu tinha que aprender a ordenhar, tinha aula. Mas não cheguei a exercer essa função mais delicada porque nós nos mudamos.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - AÇOUGUE

Fomos morar na Rua Doutor Clementino, no Belém, e lá eu fui trabalhar em um açougue, praticamente em dois horários também: de manhã, antes de ir para a escola, e depois, na volta. Eu achei o açougue um lugar bacana porque eu tinha muita vontade de andar de bicicleta, era a vontade de qualquer garoto, mas a gente não podia comprar uma e muito menos alugar. E lá eu trabalhava entregando a carne.

ATIVIDADES DOMÉSTICAS

Eu tinha que lavar a louça na hora do almoço. Depois ia para açougue lavar o estrado na calçada, uma coisa ao ar livre, gostosa. Mas na hora do jantar a coisa era mais chata porque eu tinha que lavar a louça enquanto meus amigos estavam brincando na rua jogando bola. Nós tínhamos bola de pano, de meias grandes e muito bem amarradas. Então eu tinha que lavar a louça depressa pra pegar pelo menos uma parte do jogo. Eu queria ficar um pouco na rua, mas antes tinha lavar tudo aquilo com decência senão minha mãe ia lá e corrigia. Na chapa de dez bocas, por exemplo, ela passava a mão e se saísse alguma sujeira eu tinha que limpar tudo de novo. Num desses dias em que estava apressando a coisa para brincar lá na rua porque estava ouvindo a molecada, limpei tudo, tirei o meu avental e minha mãe: "Onde você vai?", "Eu vou agora..." , "Não, não". Meu irmão mais velho, o João, estudava taquigrafia e eu tinha que ler o artigo de fundo do jornal pra ele treinar.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – FÁBRICA DE BISCOITO RAUCCI

Daí então arrumei um emprego na fábrica de biscoito Raucci, na Rua Cerqueira Bueno. Nesta fábrica o mais nobre produto fabricado era o biscoito chamapanhe, que existe até hoje, com muito açúcar cristal em cima. Minha função era enlatar o biscoito "Mentira", pra quem não sabe, uma bolinha de biscoito redondinha e chata, mais ou menos do tamanho de uma moeda, bem chatinha e ovalada. A lata era inclinada com o vidro na frente, como se fosse uma televisão (mas não existia televisão na época). Uma lata cortada com vidro. Então eu pegava o biscoito, punha no forno e saía. E eu tinha que empilhar aquilo direitinho. Por isso que a lata vinha inclinada porque era assim que empilhava. Então tinha duas ou três camadas e eu punha biscoito a granel pra segurar. Quando fechava a lata, você via aquilo arrumadinho.

Eu saída do grupo e ia pra lá. Passava toda uma tarde fazendo isso, até seis, sete horas. Eu ficava impregnado daquele cheiro de biscoito. No começo você come tudo o que você quer, mas depois, nunca mais você quer saber daquilo. Você fica estafado de biscoito. Mas foi uma fase gostosa. E o que eu mais gostava é que eu saía debaixo do comando da minha mãe: saía do apanhado, das punições e de tudo aquilo que, na lógica dela, estava certo. Eu tinha um pouco mais de liberdade. Era empregado, mas tinha um orgulho danado! Mas o meu sonho mesmo era trabalhar o dia inteiro fora, coisa que só aconteceu mais tarde, quando eu fui trabalhar no Matarazzo.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – MATARAZZO

Fui trabalhar nas Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Eu era ajudante de contramestre e trabalhava o dia todo. Entrava às sete na fábrica e saia às cinco e pouco. Tinha colegas e jogávamos futebol na calçada. Como minha casa era um pouco longe, eu levava um sanduíche pra comer. E comia banana de sobremesa. E eu comprava banana despencada da bananeira. Em porta de fábrica sempre vem muita banana. No cacho você paga mais caro: pede uma dúzia, vem uma dúzia. Despencada, você olhava aquele monte e ele punha tudo assim no jornal, só tirava uma ou outra podre. Eu comia muita banana então acho que eu cresci a custo da proteína e vitamina dessa fru ta(risos). Os dois da família que mais gostavam de banana era eu e meu irmão Ferro e hoje somos os dois mais altos. O trabalho na tecelagem era gostoso pela liberdade.

Tinha os colegas, embora tivesse toda aquela coisa da zorra de turma e de gangue. Mas nas horas vagas eu podia fazer minhas ferramentas: fazia chave de fenda, chave de boca com mola de caminhão, chave pra apertar parafusos... Era uma coisa gostosa, eu me sentia meio artesão. Então eu trocava os rolos do urdume, como eles chamam. Quando terminavam os rolos, eu limpava a maquineta e azeitava. A parte chata era azeitar 200 teares, por ordem, um por um. Era muita graxa. Nessa época o meu sonho era um dia trabalhar num lugar que eu tivesse uma camisa limpa e um bolso para por um lápis. Até hoje eu tenho! (risos) Como eu comecei a desenhar naquele processo de treinar a mão direita, um dia alguém viu lá e falou: "Por que você não vai trabalhar na seção de gravura?", que era a seção de desenho do Matarazzo, na mesma fábrica só que mais ao fundo. Ficava ali na Avenida Celso Garcia, em frente à Rua Passos, perto do Rio Tietê. Então eu fiz um teste, me aprovaram e eu fui trabalhar na seção de desenho de tecido. Desenhava floral, fazia reportagem, que em italiano significa a repetição. Aí eu fiquei um bom tempo trabalhando lá.

PUBLICIDADE NO JORNAL

Na época que minha mãe dava pensão, não tinha tapete, só um linóleo estreito. Quando eu ia encerar o chão pra ela, passava cera embaixo dele com cuidado, porque aquilo se partia com facilidade com o tempo. E no resto da casa eu punha jornal pra não ficar com o joelho muito avermelhado, cheio de cera. Na época tinha muito desenho nos jornais e eles me chamavam a atenção. Eu ficava olhando todos aqueles desenhos bonitos. Na época eu não sabia o que era publicidade, mas mais tarde eu entenderia o porquê de tantos desenhos nos jornais: o jornal não tinha equipamento para imprimir fotografia, borrava as retículas, enchia de tinta.

Então, por defeito técnico, tinha que ser desenho a traço ou com retículas largas. O fato é que quase toda a publicidade era feita com ilustrações e acho que é por isso que chamavam a minha atenção. Nessa época os jornais tinham uma força publicitária muito mais forte do que tem hoje porque ainda não havia competição na televisão, ela ainda não existia. Então publicidade era jornal, essencialmente, e depois vinha rádio, outdoor, essas coisas. Mas até então eu não entendia nada disso.

Eu admirava era ver o trabalho dos ilustradores: eles desenhavam pneus, mulheres, coisas. Claro que eu era um dispersivo encerador de casa. Eu demorava e minha mãe dizia: "O que é que você esta fazendo aí menino? Você ainda não acabou essa parte?" Algumas vezes eu estava recortando o jornal. Ou então pegava o jornal, guardava num canto e à noite eu tentava reproduzir aqueles desenhos. Fui desenvolvendo até que um dia eu fiz um portfólio e tentei entrar em uma agência. Foi a maior via sacra do mundo! Eu visitei inúmeras agências de publicidade e, como dizem os jovens de hoje, "Não dão chance pra qualquer um".

E eu também achava que tinha panela. Mas a verdade é que tinha pouco emprego. Então, por que vai pegar um jovem chamado Alex Periscinoto? "Quer trabalhar aqui, quer fazer o que?", me perguntaram. "O que é que você faz?”. Eu mostrava meu portfólio de alguns desenhos copiados de propaganda e alguma coisa feita de desenho de tecidos. Já tinha treinamento. Aí todos diziam: "Olha, continua desenhando tecidos. Você não nasceu pra publicidade, faz tecido".

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - NOSSO LÁPIS

Foi assim até que um dia fui parar num estúdio de desenho (e não uma agência) chamado Nosso Lápis, na Rua da Quitanda. Me disseram: “Vamos ver se você faz alguma coisa”. Esse estúdio só fazia papel de carta, desenho de cartão e um ou outro folhetim. Trabalhava para os bancos da Rua da Quitanda e faziam trabalhos mais miúdos. E eu comecei ali. Acontece que, na seção de desenho do Matarazzo, eu ganhava o equivalente a quatro, cinco salários mínimos e, ao ir pra esse estúdio, passei a ganhar menos de um salário mínimo. Foi uma loucura! A bronca em casa dava pra sentir.

Natural, eu estava ajudando a família e de repente passei a não ajudar. E eu tinha uma visão nebulosa da perspectiva da profissão. Fui fazer aquilo mais pelo desejo de fazer do que pensando em futuro profissional. Mas obviamente que em casa ninguém entendeu isso. Até que algum tempo depois, em 1949, chega a Sears no Brasil. E eles abriram um concurso pra contratar desenhista. Claro que eu me candidatei e fui lá. Então botaram um ferro elétrico sobre uma mesa redonda e os oito ou dez candidatos em volta da mesa tinham que desenhar aquele ferro elétrico. E dois foram aprovados: eu e uma outra pessoa.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – SEARS

Então entrei lá para desenhar ferro elétrico, máquina de lavar, liquidificador e todas aquelas coisas que a Sears anunciava. Foi um desenvolvimento gostoso, uma turma boa. E depois de dois anos trabalhando lá, fiquei chefe de departamento, até porque não tinha ninguém na ponta. Diziam: "Você, fica chefe aí!" (risos). E mesmo não podendo mudar muita coisa na Sears, por causa do sistema ortodoxo internacional, pude fazer variações em alguma coisa na área de desenho de moda. Foi então que a Clipper Exposição, uma loja no Largo Santa Cecília e que até então era cliente da Standard Propaganda, se interessou pelo meu trabalho.

Na verdade houve uma fala qualquer no sentido de convidar aquela pessoa da Sears pra ajudar a fazer os anúncios da Clipper. A Standard Propaganda me chamou pra fazer um teste e fui aprovado pelo Fritz Lessing, que era o chefe, e o João Caligo, que me disse: "Quer trabalhar aqui?". Eu procurei agência como louco e num dia aparece uma pelo outro lado, sem eu estar procurando. Eu até disse: "Eu estou bem na Sears. E estou com medo, porque agência...” e ele: “Você só vai fazer varejo, que é o que você está fazendo e tal”. Eu ganhava bem nessa época, já estava com uns 600 não sei o quê, não lembro a moeda da época (risos). Era equivalente a uns seis salários mínimos ou até um pouco mais e estava bem, achava que dava pra ficar mais tempo lá. Mas acabei indo trabalhar na Standard.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – STANDARD PROPAGANDA

Três dias depois fiquei sabendo que o meu salário era seis mil. Seis mil!!!! Era dez vezes mais do que eu estava ganhando. Levei um susto! Foi a primeira vez que eu consegui comprar um carro usado. Aí começou a deslumbrar... Trabalhei fazendo Clipper Exposição durante um tempo, junto com um colega maravilhoso que era Darci Penteado, um ilustrador muito competente.

O MERCADO PUBLICITÁRIO BRASILEIRO

A Standard Propaganda era uma agência que tinha um ótimo nome. Hoje ainda tem, mas na época era muito desenvolvida perto das outras americanas. Naquele tempo duas agências americanas comandavam o mercado: a Thompson e a McCann. E sabe por quê? Porque essas duas agências vieram do exterior e começaram a publicidade no Brasil já com os clientes internacionais. Então a Thompson trouxe a Lever e a McCann trouxe a Goodyear. A Standard, por sua vez, não era internacional. Era uma agência brasileira, de propriedade de uma pessoa chamada Cícero Leuenroth, um smart brasileiro, muito esperto, muito inteligente.

Na época ele contratou uma turma boa pra trabalhar com ele. O charme da publicidade de bonde estava diminuindo. Existia a Companhia de Anúncios de Bonde, que tinha um departamento que fazia aqueles cartazes do bonde “llustre passageiro” e não sei o quê. Essa turma – Fritz Lessing, Rubem Vaz, João Cadarço, Ígor Araújo – foi pra Standard e eram todos ilustradores de mão cheia, profissionais de tirar o chapéu. E eu, por uma dessas sortes divinas, fui cair justo nesse maravilhoso lugar! E pra fazer varejo, que era uma coisa marginal.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - STANDARD

O processo de trabalho era mais ou menos assim: primeiro tudo era ilustrado. O redator ficava em um andar qualquer e o desenhista ficava em outro. O primeiro escrevia alguma coisa e o segundo lia o que estava escrito e dava um pouco de forma gráfica para aquela informação Um dos clientes da agência era Pneus Pirelli. Então tinham grandes desenhos da Pirelli, às vezes páginas inteiras de um jornal. Então era informação sobre o biscoito do pneu, o nome do pneu, a marca Pirelli, enfim, todas essas informações básicas com ligeira imaginação.

Tudo isso era definido, na época, por uma expressão americana desenvolvida pela Thompson e pela McCann, a chamada Unique Selling Proposition, quer dizer algo como “qual é a informação mais importante e única que você vai querer dizer pra vender esse produto”. Por exemplo, “Pneu para chuva" tinha como Unique Selling Proposition "Biscoitos largos", "Vão com capacidade de entrada de ar", enfim, essas informações técnicas. Na época se trabalhava mais nisso. Mais tarde, chegou a ter o apelido de hard self, ou seja, venda pesada, venda dura, onde se informa o que é e o preço, sem inventar mais nada.

E naquela época, com raríssimas exceções, não tinha mesmo mais do que essas informações de Unique Selling Proposition. Não tinha eloquência emocional nas campanhas e essa é a grande diferença comparando com hoje. A não ser um dia em que o Fritz Lessing fez um anúncio para a Vidraria Santa Marina, que tinha uns vidros muito bonitos. Ele escreveu atrás do vidro, com a coisa meio fora de foco: "Qualidade Transparente". Isso já era algo mais notável, digno de um “Pôxa! Que imaginação e tal!" A coisa foi andando até o momento que o cliente da Clipper queria a presença das pessoas que faziam os anúncios.

E eu era uma dessas pessoas. A gente começou a ver o cliente e o cliente começou a ter contato com o chamado estúdio e isso causou um mal estar. E essa fase coincidiu com um convite do Mappin. Alguns amigos que tinham trabalhado comigo na Sears e agora trabalhavam na direção do Mappin me falaram: "Alex, você não quer trabalhar com a gente outra vez? Volta pro varejo, volta pra nós." E eu sentia que, trabalhando no Mappin, eu poderia voltar a fazer aquelas coisas que eu fazia na Sears, ou seja, ser patrão de mim mesmo. Não tinha que obedecer tanto um chefe que estava chateado porque eu tinha mudado um texto.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - MAPPIN

Então eu fui trabalhar no Mappin em 1955. E foi uma delícia! Eu sem paletó, fazendo os anúncios de página dupla. O varejo, como todos os profissionais sabem, por muito tempo foi chamado de publicidade marginal porque só punha lá o produto, a informação e tchau. Mas a gente tentava fazer outras coisas.

A PUBLICIDADE DE VAREJO

Até porque o varejo tem, mais que qualquer outro cliente, nobreza de espaço. Nenhum anunciante pode ter várias páginas duplas por semana como tem no varejo. Nem a indústria automobilística e nem qualquer outra tem dinheiro pra isso, a não ser o varejo. Primeiro porque o varejo compra pacotes grandes, anuais. E segundo porque ele tem uma quantidade de informação muito grande, então só compete, ganha ou empata com o varejo o mercado imobiliário. Você vê hoje o jornal tem várias colunas: a que sustenta jornal é classificados, claro, e as outras duas grandes colunas são a imobiliária e as lojas de varejo. Se você tirar essas três coisas do jornal ele emagrece um terço.

PRIMEIRAS PROPAGANDAS DO MAPPIN NA TV

Teve uma época em que o Mappin começou a entrar na televisão e ele fez uma coisa marcada na época: o Mappin Movietone. Era um jornal como o Jornal Nacional. Então nós contratamos um grande amigo meu, o Roberto Corte Real, para apresentar as notícias ao vivo, usando gravatinha borboleta. E os comerciais eram feitos por aquela figura adorável, que é minha amiga até hoje, Lolita Rodrigues, uma doçura. Eu, o Roberto e a Lolita nos tornamos um trio muito amigo e sempre discutíamos o que a gente ia ou não ia fazer. Esse noticiário era patrocinador do horário nobre na estação de maior potência na época, a TV Tupi, que foi a Globo de sua época.

E a televisão começou a dar uma resposta impressionante! Então eu diria que hoje, e forever, o jornal vai ser sempre a base do varejo e a base dos mercados imobiliário e de classificados. Acho que ninguém rasga isso do jornal. Mas a televisão, para alguns produtos, acaba sendo melhor que o jornal. Por exemplo, alguns produtos de consumo como margarina, sorvete e iogurtes, você pode até colocar no jornal pra testar, pra ver como é que é. Mas quando temos que lidar com donas de casa e crianças, nossa, a televisão chega até a ser covardia!

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - MAPPIN

Cada um de nós tem uma fase mais gostosa ou menos gostosa na vida profissional. O Mappin foi sem dúvida uma coisa deliciosa na minha, não queria sair de lá nunca! Família ótima, companheirismo. Nós éramos 11 gerentes e almoçávamos juntos no restaurante do Mappin. E tinha tanta história pra contar, tinha casos e cada um tinha experiência de vendas e a gente discutia.

SÃO PAULO ANTIGA – HISTÓRIA DO MAPPIN NO BRASIL

A história do Mappin começa assim: o Mappin pertencia aos ingleses Mappin Webb, por isso que se chamava Mappin Stores - stores vem de lojas. Durante a guerra, entre 1939 e 1945, o Brasil não podia importar nada. Mesmo depois da guerra, em 1949, ainda era difícil importar. E o Mappin vivia de produtos importados. Nessa época não se fabricava quase nada no Brasil, sequer tinha serralheira aqui. Então não se fabricava a geladeira, não se fabricava fogão... Era um país atrasadão mesmo. E a Sears, quando veio em 1949, começou a trazer todas as plantas de liquidificador, enceradeira, geladeira, etc. e começou a convocar alguns industriais para fabricarem produtos com a marca dela. Então, a geladeira que a Sears vendia e que se chamava Cold Spot, era fabricada por alguém da Brasmotor, que mais tarde virou Brastemp. A enceradeira Cold Spot era feita pela Arno e até hoje, o modelo vendido pela Arno tem o mesmo desenho trazido pela Sears. Nessa época os ingleses estavam perdidos. Então tomaram um porre na boate Oásis e o dono da boate, Alberto Alves, o Betinho, provavelmente também no porre disse: "Quer me vender essa porcaria?".

E assim, na boate, ele comprou o Mappin e começou a dirigí-lo daquele jeito, meio intuitivo. Porque tem pessoas que podem até não estar preparadas com escolaridade, mas têm intuição pras coisas. O Jânio Quadros, por exemplo, político intuitivo mais do que qualquer outra coisa. Ele tinha uma noção de oportunidade incrível! Ele sabia: "Se eu pendurar as chuteiras na porta eu vou ganhar a primeira página dos jornais, e seu falar tal coisa a imprensa corre atrás de mim." E ele sabia essas coisas que o papa, lá do Vaticano, também sabe. Por exemplo, que se ele se fechar lá no Vaticano ele não é notícia, mas se ele viaja ele é notícia, a imprensa vai atrás. Por isso que de vez em quando ele organiza uma viagem sabiamente programada: ele vai a El Salvador, depois vai a Londres, Nova York e por último vai no país mais pobre do mundo! E quando ele faz esse negócio a imprensa corre e ele é notícia durante semanas, sempre em primeiras páginas. Isso é uma coisa habilmente misturada com intuição e profissionalismo. Então o Alberto Alves, que acabava de comprar o Mappin, contratou alguns profissionais e nós 11 nos reunimos lá. E foi ótimo. Nessa época aconteceu de tudo.

FAMÍLIA – O CUNHADO LINGUARUDO

Eu já era casado e tinha muitos cunhados. Um deles gostava de jogar buraco olhando pra televisão e era muito linguarudo. Ele via a Sandra Bréa e cutucava a minha esposa: "Olha o Alex!". Ele achava que porque eu trabalhava na publicidade eu tinha chance de sair com a Sandra Bréa. Vê se a Sandra Bréa ou qualquer outra atriz ia me dar confiança! (risos). Nessa época eu tinha um Coupê Mercuri 48, como todo mundo que na época tinha carro usado. O vidro oposto ao motorista estava quebrado e eu não tinha dinheiro pra consertar. O estofamento era de plástico. Certo dia, eu estava saindo do Mappin e caía uma chuva miúda e inclinada. Sônia, uma funcionária que era irmã de um diretor do Mappin, me chamou: "Alex, você vai lá pra Vila Clementino?" "Vou" "Você me leva?" "Claro, vamos, está chovendo.”.

Por causa do banco molhado, ela teve que sentar bem perto de mim. Então, estamos subindo a Rua Augusta e quando parei no sinal, ali antes do cine Marajá, eu ouço: "Fiu, fiu!" Quando eu olho, era o meu cunhado, que sempre inventou histórias. Eu transpirei e pensei: “Meu Deus do céu, podia ser todos, menos esse.” Eu olhava e ele fazia um gesto como quem diz “Abre aí que eu pulo a água” e tal. Mas abriu o sinal amarelo e eu fui embora, deixei ele lá. Que situação eu criei! Deixei a Sônia em casa e ela ainda falou: "Alex, você está preocupadíssimo, vou lá falar com a tua mulher, eu conheço tua mulher e você só está me levando pra casa!" "Ah, Sônia, isso aí é uma outra história...". Peguei o carro e voltei pro Mappin. Ao chegar lá falei para o Zé Paródia, meu subordinado na área de vitrine: "Zé, coloca um desses manequins de gesso aí vestido no assento da frente do meu carro." Então eu fui pra casa com um desses manequins que ficam na vitrine com dedos tortos, de gesso e peruca de nylon. Aquilo ficava andando, caindo em cima de mim, e fui segurando até em casa (risos). Mais tarde eu falei pra minha mulher: "Olha, eu demorei porque eu tenho que comprar umas duas dúzias de manequim lá pro Mappin e tem um mostruário aí.” Ela olhou pela janela da cozinha e falou: "Bonitinho... Eu acho bom você tirar isso daí senão vão dizer que você tá andando com mulher no automóvel...” "Boa idéia!".

Ela então me ajudou a desatarraxar e botamos tudo atrás do Coupê. Depois de jantarmos eu a chamei para ir jogar buraco lá na casa do Sabião. E não deu outra. Meu cunhado, louco, contou tudo, com todos os detalhes. Mas foi ele acabar de falar, a minha mulher olhou pra irmã (nós somos casados com duas irmãs) e falou: "Você fala pro seu marido tomar cuidado com a língua. É um manequim, eu ajudei a tirar. Ele fica inventando essas histórias do Alex e agora eu tive provas de que ele inventa". Ele olhou pra mim: “Como é o negócio?" Jogamos buraco naquela noite e ele dava carta pra mim assim: "Ô manequim!". Passados dois anos eu estava pescando no barco dele, no clube Samambaia, Guarujá. Eram umas dez horas da noite. Só sei que ele meteu o pé nas minhas costas e me jogou na água, e tudo o que eu ouvi foi: "Manequim é a puta que te pariu!" (risos). Essa história ficou famosa no Mappin porque contei aos meus colegas que conheciam a Sônia. Até hoje se você for lá e perguntar: “É verdade uma história do Alex que trabalhou aqui?", todo mundo vai confirmar.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - MAPPIN

No Mappin era gostoso porque podia inventar, não tinha uma lei internacional impedindo. Então nós inventamos lá o mês da indústria, a quinzena de tapetes, essas coisas todas pra dar nome à promoção. Nessas promoções a gente punha o logotipo dos fabricantes nos anúncios. Então, num espaço x de quatro colunas, punha Tapete Ita, liquidificador Wallita, etc. e eles pagavam para o Mappin. Chegamos até a fazer anúncio de página inteira para um fornecedor que lançou uma meia que não desfia, chamada "Não Desfiou" (tá sendo relançada agora na televisão com um cara põe ponta de agulha, ponta de tesoura, etc). Ela tem uma tecelagem diferente, uma trama diferente, um tecido todo sintético que realmente resistia e não desfiava. Então eu fiz um anúncio de página inteira onde tinha uma perna linda de mulher, esticada, colocando a meia e um gato arranhando a perna dela. Um anúncio de lançamento simples, sem muito artigo como os anúncios de varejo costumavam ser.

Chegamos até o ponto em que inventamos lá uma promoção especial para o mês de outubro e vendemos mais do que se vendia em dezembro. O dono do Mappin ficou tão impressionado que falou: "Dá um jantar pra todo mundo". Eu falei: "Doutor Alberto, um jantar pra todo mundo é um problema sério, organizar um jantar, eu não tenho um restaurante onde caibam 1.200 funcionários! Sem falar que alguém vai levar a esposa." "Então inventa um negócio, mas eu queria dar um presente." Ele era um intuitivo e sabia quando tinha que agradar.

Era uma dessas pessoas abençoadas que têm o momento certo de fazer as coisas, sabia lidar com gente humilde, sabia lidar com a gente. Então todo mundo adorava ele, inclusive eu. Então, para aquele presente, ele sugeriu que alugássemos o TBC: “Contrata uma equipe aí e a gente faz uma peça teatral só com as piadas domésticas do Mappin”. Então eu fiz um roteiro e contratei a Praça da Alegria. Trabalhei com Nóbrega, Hebe Camargo, Golias, numa fase maravilhosa (hoje estão numa fase ótima novamente). Todos os esquetes eram feitos com piadas internas, o que é uma covardia porque você cita o nome das pessoas.

Um dos esquetes trazia o Joãozinho, secretário do doutor Alberto. Ele era o tipo de pessoa “Deixa comigo!”. Pra marcar audiência com o dono do Mappin tinha que atravessar o Joãozinho. E ele tirava proveito. Por exemplo, o presidente da Telesp queria falar com o doutor Alberto então, falava com o Joãozinho: “Pois não, doutor, marquei, pode deixar comigo.". E ele fazia de tal maneira que quando chegava lá o presidente da Telesp, ele falava assim: "Ô doutor, o Betinho já vai atender porque eu encaixei na agenda e tal” e continuava “Eu tô sem telefone lá em casa, será o que o senhor..." e ele conseguia um telefone. Então, para fazer o papel de Joãozinho eu peguei o Golias e o Nóbrega fazia o papel do dono do Mappin. A cena era um misto de verdade e ficção. A parte da verdade era que o João tinha mudado de casa e todo mundo do Mappin conhecia esse jeito do Joãozinho ajeitar as coisas. Então aparece o Golias e o doutor Alberto está numa escrivaninha. “Doutor Alberto, tem que assinar aqui e tal.

Doutor Alberto, quero avisar ao senhor que eu mudei de casa". "Ah, mudou? Felicidade de casa nova, João!" "Doutor, se o senhor quiser aparecer lá para um café, casa humilde, o senhor sabe" "Ah, onde é que você está?" "Eu estou no Brooklin, rua tal". "Ok, João." Corta essa cena, fecha a cortina. O doutor Alberto aparecia com sua mulher (que também se chamava Hebe e era interpretada por ela) e dizia: "Hebe, o Joãozinho disse que mora por aqui, já que nós estamos passando aqui, vamos entrar na casa dele. Esse malandro convida, vamos ver se é verdade, vamos tomar o café dele".

Toca a campainha, abre a cortina e lá está Joãozinho. "Ô, doutor Alberto, o senhor veio mesmo, que bom, senta aqui." Aí o doutor: "Ô João, bela casa, hein? Esse living aqui deve ter uns oito metros..." "Dez metros." "E tem o que, uns três dormitórios?" "Quatro." "Que legal, parabéns João! E quanto é que você está pagando de aluguel aqui?" "Eu estou pagando seis mil, doutor." "João, quanto você ganha lá no Mappin?" "Eu estou ganhando seis mil, doutor." "Ô João, você está louco, vamos tomar um café, vamos conversar sobre isso daí." Quem conhecia o Joãozinho rachava de rir. Então eu fui inventando essas coisas do cotidiano.

A peça demorou duas horas com histórias de todos os departamentos: o pessoal da perfumaria, o gerente de departamento de vendas, todo mundo entrou na dança. Então isso não era um emprego, isso era um santo lugar pra se trabalhar. Como nós vivemos 80% do tempo que a gente está acordado, ou seja, você vive para o trabalho, quando se acha um lugar desses você não quer sair nunca mais.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – OHRBACH’S e DDB NOVA YORK

Em 1958, como presente do Mappin eu cheguei a fazer uma viagem para os Estados Unidos e acabei tendo contato com a loja Ohrbach's, onde estagiei por 11 dias: parte numa loja, parte na outra. Quando eu fui pra lá os anúncios eram inteligentes e eu queria visitar o departamento: "Quem foi o iluminado que fez isso?" "Bom, nós não fazemos aqui, nós fazemos numa agência." "Ah, como é que chama a agência?" “DDB” "Uau, já ouvi falar. Eu podia visitar?" "Claro, toma uma carta." Aí o cliente ligou pro presidente da companhia: "É um brasileiro, o nome dele é Alex Periscinoto...”. No dia seguinte eu fui lá. A recepcionista não entendeu o meu nome: “Perisciwhat?" Eu fiquei com vergonha de corrigir (risos) e durante os cinco ou seis anos em que assei a ir lá anualmente, fiquei conhecido como Perisciwhat.

O CONCEITO DE “DUPLA DE CRIAÇÃO”

Nesse dia, em 58, eu fiquei impressionado com um material lindo de varejo que vi. Não era uma publicidade marginal, era muito inteligente. Então perguntei: "Como é que vocês trabalham aqui?" "Nós temos um diretor de criação e somos dupla: o redator está junto com o diretor de arte”. E eu fiquei encantado com aquilo! É muito mais produtivo duas ou três pessoas conversando: rende, é mais rápido, é mais inteligente, um policia o outro quando a ideia é bobinha. Mas eu não podia aplicar isso no Mappin porque eu meio que trabalhava sozinho lá. Então eu fui numa outra sala, os chamados corner-offices que são os escritórios de esquina dos big boss. E tinha lá uma campanha linda em vegetal, toda desenhada, do Volkswagen lá nos Estados Unidos. Estava pra ser aprovada. E eu andava feito um bobo vendo aqueles anúncios maravilhosos. Tinha um Volkswagen desenhado pequeno e escrito embaixo “Think small." Um dos anúncios trazia aquela nave Apollo, que parecia um gafanhoto, porque era uma carro feio, mas que te leva, igual a nave. Era tão inteligente. Fiquei conhecendo, inclusive, a dupla que fazia essa campanha.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – MAPPIN

Voltei pro Mappin e, em 1960, alguém me telefona e me diz assim: "Alex, você quer fazer uma campanha de free-lancer pra ver se a gente pega uma conta?" “Campanha de free lancer?” "Mas não é nada com varejo." “Se for varejo não pode, porque compete.” "Não, não. É uma agência pequena que tá concorrendo pra tentar pegar um cliente. Se pegar um cliente eles te pagam, se não pegar, eles te dão um fio pequeno aí." “E qual é o cliente?” "Volkswagen." Uau! Uma daquelas coisas que fazem você olhar pra cima e dizer: "Thanks God".

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – FREE LANCER VOLKSWAGEN

Eu fui fazer o free lancer. Tinha que fazer umas 30 peças e eu fiz cento e tantas peças num fim-de-semana, sempre daquele jeito, com os títulos. E entreguei. Num dos anúncios a gente queria dizer que só a oficina autorizada tinha a melhor capacidade para consertar o carro, então, nada de procurar um picareta. Mas você não podia falar picareta. Então eu fiz uma tábua pregada, com vários pregos aparecendo, tudo mal desenhado e o texto: "Cuidado com os especialistas", que era uma maneira de separar um ou outro sem xingar a oficina. Outro anúncio tinha o Volkswagen lá, bem fotografado. "Cheque ao portador", que era a maior qualidade do carro que era o valor de revenda. E quando compra o carro, você não quer saber o que vai acontecer na hora de vender. Essas propagandas foram um marco diferente.

E era uma agência de nove pessoas, das quais quatro ou cinco tiveram que sair porque eram fajutas, ladrões, etc. A partir daí eu comecei a contratar fazendo duplas, como em Nova Iorque, com um conceito que ainda não tinha no Brasil. Então eu contratava pessoas de outros lugares. Por exemplo, o Hans Donner da Publitek + o Armando da Quadrant. Então eles viravam dupla. Nessa época trabalharam com a gente também a Helga, o Joaquim Gustavo, o Júlio Ribeiro e a Carmem, estes últimos da Talent. Muitos destes hoje estão nos seus respectivos own business, aplicando a mesma filosofia. O fato de passarem a existir as duplas e essa filosofia de fazer a coisa menos hard cell, mais emocional, foi replicado por quase todos os profissionais. Eles descobriram que essa veia emocional não era a simples informação do produto. Era um argumento que fazia você pensar. Então, quando você fala "cheque ao portador" você não está só falando das qualidades do carro, mas lembrando de uma situação. Você está mexendo com o comportamento da pessoa.

CAMPANHAS VOLKSWAGEN

Nessa época o carro mais anunciado, além do fusca, era a Kombi. Aliás, a Kombi foi o primeiro carro a ser fabricado no Brasil. E ela também era vendida pelo lado emocional. O anúncio trazia uma Kombi fotografada dos dois lados: em um deles tinha caixotes e canos, e no outro tinha praia e lazer. Ou seja, trazia aquela coisa de que, quando você vai comprar um carro, tem que lembrar dos usos que você vai fazer com ele e não é só trabalho. Então por muitos anos a gente vendeu Kombi não só como um veículo de carga, mas como um veículo misto e assim, a gente ampliava o mercado. E até hoje se faz esse posicionamento que é racional e emocional. Depois vieram outros carros, como a Brasília, que também foi vendida assim e foi um sucesso danado. Também a Variant foi vendida dessa forma, sempre com um misto de lazer e carga.

Um utilitário que você pode usar pra passear. O outro grande boom veio com um carro chamado SP2, que tinha um desenho impecável, feito por um rapaz brasileiro. Cheguei a receber uma visita do Bill Evans, um amigo nosso, do Festival de Nova York, do Clio. Ele chegou no Brasil dizendo: "Eu quero comprar esse carro, eu pago qualquer coisa, manda." Ele queria estar em Nova York com aquele carro que ele viu rodando no Salão de Automóveis. Tinha um design industrial perfeito. E a gente ainda não podia falar do lançamento desse carro. Ele tinha um motor fraco de 1.600, não era um carro forte. Tanto que ele acabou sendo apelidado de “O belo Antônio”. Ele só tinha design e no anúncio a gente tinha que contornar isso. Então nós fotografamos o carro dizendo assim "A grande chegada", misturando meio com esporte. Então, a gente fazia mais do lado não racional.

APRENDENDO COM OS ERROS

Existe uma série de erros que a gente comete: alguns você lembra, outros você esquece – a natureza humana faz você bloquear. Mas tem um que não esqueço: usar a Tônia Carrero pra fazer anúncio de sabão em pó. Porque quando a Tônia Carrero, maravilhosa atriz e figura sensacional, faz um anúncio de creme, a gente fica babando porque é verdadeiro, ela tem pele de quem merece fazer um anúncio desses. Mas ninguém reconhece ela como uma pessoa que lava roupa. Com esse sabão em pó encalhado na prateleira e sem dinheiro pra trocar a embalagem, ou fazer publicidade, a gente precisava achar um caminho emocional resolver o problema.

E nossa solução foi a seguinte: baseado no fato de que todo mundo tem ou já teve uma criança maravilhosa em casa, do tipo que as pessoas dizem “Poxa, esse menino merecia estar na propaganda!”, fizemos um anúncio dizendo “O sabão tal vai fazer um anúncio com duas crianças. E se você conhece alguém que quer aparecer num anúncio de sabão, nós precisamos de duas crianças. Mande fotografia com um pedaço do rótulo do sabão tal”. Bum! O que veio de foto do Brasil inteiro não está escrito. Então montamos uma comissão julgadora com o Juninho Xavier e mais uma pessoa da Folha, Helena Silveira, e fizemos a seleção. E depois ainda sobrou dinheiro pra fazer três, quatro anúncios de crianças. Foi aí, inclusive, que apareceu o Ferrugem. Então, pra você ver, esse segundo anúncio do sabão não tem nada de ver com sabão! Mas mexeu emocionalmente com as pessoas.

PUBLICIDADE: INDÚSTRIA vs. COMÉRCIO

Não existe muita diferença. Eu diria que a igreja sabe dessas coisas melhor do que a gente. A igreja tem o melhor departamento de pesquisa do mundo: o confessionário. Então ela recebe subsídios para entender do comportamento das pessoas. Então, se você vai falar com um comprador potencial em varejo, você tem que saber algo sobre ele, por pesquisa ou por intuição. Precisa saber como é que se fala com essa pessoa. No caso da indústria, se for pesada, indústria de máquinas é uma coisa e a informação técnica fica em primeiro plano. Mas ninguém vai comprar um carro só porque o motor é potente. Essas são informações coadjuvantes. A carga emocional é que é tão importante. Mas também se você vai falar com um cliente de varejo ou um cliente de uma indústria, usa o racional. Toda a informação que você recebe à priori é racional: “Olha, o microfone é esse, ele tem tal função, o videocassete tem quatro cabeças”. E tudo isso começa por aí.

MARCAS E COMPRAS EMOCIONAIS

No caso do comércio, vejamos como exemplo um shopping center. Ele tem, por baixo, de 60 a 70% de compra desnecessária. Ou seja, é tudo compra emocional. Você não precisava desse casaco, você tem outro! Mas pensa: “Mas e a cor? O design?”. Você tem cinco blusas amarelas, mas a pigmentação muda. Eu mesmo cheguei a desenhar tantos desses desenhos em tecido. E tênis? Se uma pessoa comprasse um tênis e ficasse com ele pra sempre, a fábrica ficaria quebrada. Então, quando ele está no meio do uso, a gente já está com olho naquele outro. É uma coisa emocional! E junto com essa carga emocional, vem a marca que, no caso do tênis, é mais emocional ainda. A gente não compra determinada marca porque o pai ou a mãe da gente mandou comprar. A gente compra aquele tênis porque quer saber que reação vai ter o grupo. A aprovação do grupo é mais forte do que a aprovação da família ou o preço pago. E é por isso que a etiqueta está do lado de fora, para que o grupo não precise adivinhar. Já olha e “"Uau, this is Nike!".

APRENDENDO COM OS ERROS

Certa vez o ministro Camilo Pena foi à televisão numa hora difícil do Brasil, mais difícil que hoje, e disse: "Não compre o supérfluo". Eu voltei pra casa pensando o que seria o supérfluo e pensei: “É o quarto batom de minha mulher (risos). Ela já tem três, vou falar pra ela não comprar o quarto batom.” E então passei a tentar localizar o meu supérfluo e, certo dia, indo para a Volkswagen pela Via Anchieta, vejo passar por mim um caminhão gigante com uma calota deste tamanho. E eu pensei: "Pô, mas que coisa supérflua, se há uma coisa que esse país não precisa é calota de caminhão." Passado uns tempos, eu estava passando no Canindé e vi uma fábrica de calota. Não pude deixar de entrar, queria ver como é que faz. Então vi que o homem tinha duas Kombis e duas filhas na universidade. Foi então que corrigi meu pensamento anterior: "Pô, mas que besteira eu estou fazendo. Isto não é supérfluo. Essa calota está oxigenando a economia, está dando emprego. E quem disse que o motorista de caminhão não tem o direito de uma compra emocional?”

CAMPANHAS VOLKSWAGEN

Esse filme nosso que está no ar agora, do Gol, com as garagens que abrem, é 100% carga emocional porque não tem uma sequer informação técnica do carro. "Meu coração, bate feliz quando te vê..." Foi feito pela equipe da Almap, dirigido pelo Marcelo Cerpa e o Alexandre Gama e com a participação criativa do Luciano, que é um outro jovem da equipe. Então, na hora que você vai avaliar um bom publicitário, jornalista, um bom magazine ou uma boa estrutura de televisão, está com Deus quem tiver aquela qualidade que a Igreja teve no passado: ter um confessionário. Quando você fala com as pessoas, você sabe o que e como elas pensam e assim, você tem mais chance.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – FREE-LANCER VOKSWAGEN

Para aquele trabalho free-lancer eu tinha que fazer 30 peças, mas fiz mais de 100. E naquele fim de semana eu mandei entregar lá pra agência. Alguns dias depois eu fiquei sabendo que eu fui aprovado. Ser aprovado era minha primeira alegria, o dinheiro não era importante. Quando você faz o que gosta o dinheiro vira coadjuvante, vira segundo plano. Outra lição da cozinha quente do meu pai: "Nunca peça aumento." Aí um irmão meu perguntou: "Como assim?" "Não peça! Nunca diga: 'Eu não ganho para isso.' Você faz mais do que ele espera e não tem empresário burro. Se você fizer mais do que dá, um dia alguém te descobre, aumenta. É preferível você descobrir o campo em que você vai ser mais produtivo, se preparar para isso e ir à luta que o dinheiro acaba chegando.” Então, a sensação de ser aprovado era como se tivesse aprovado para uma peça teatral de um escritor ou uma crônica que ele mandou para um jornal. Era uma sensação pessoal, particular. Até um pouco criminosa. Vai ser vaidoso nos quintos do infernos! (risos).

Essa parte não saudável fica por conta de cada um. Uns são mais, outros são menos e eu não podia deixar de ser também. Então eu fiquei sabendo que ia receber o combinado, mas alguns dias depois eles ligaram dizendo: "Olha, tem um problema aqui: foram dizer lá no cliente que o diretor de arte que trabalhou na campanha não é da agênci, trabalha no Mappin e tal." Então, queriam conversar e eu fui lá. "Por que você não vem trabalhar aqui?" E eu disse: "Ih rapaz, mas eu estou tão feliz no Mappin!

Onde eu trabalho é como uma placenta e eu não quero nascer (risos). Eu quero é ficar lá.”. Nós éramos 11 gerentes, cada um no seu setor, e ninguém competia com ninguém, pelo contrário, havia uma soma. O chato é quando você está num mundo onde tem competição, aí sim fica desagradável. Mas lá não tinha isso e eu não queria sair mesmo. Mas então eu disse: “Olha, você tem aqui um problema sério porque como é que nós vamos dar continuidade na campanha da Volkswagen?”. A palavra continuidade foi uma coisa que atraiu.

Então me lembrei de 1958, do meu estágio na DDB e falei: "Olha, eu vou, mas só se for assim: se a gente puder fazer uma dupla de criação e ter a direção de criação no Brasil, porque hoje ninguém faz isso. Então a gente desenvolve um brainstorm e desenvolve o trabalho de duplas. Porque hoje o redator é um funcionário subalterno em uma agência. O desenhista não é o diretor de arte, é apenas do estúdio, que também é um pessoal subalterno. O diretor de criação ele tem autoridade, ele vai ao cliente a hora que ele quer, ele decide coisas, ele faz cinco, seis, sete versões e não precisa perguntar pra ninguém, por isso que ele se chama diretor criativo.

Ele não é subalterno a ninguém.” Aí o José de Alcântara Machado, que era então o dono da agência falou: "Alex, faz do jeito que você quiser. Põe dupla, põe tripla, faz direção de criação." O Zé, figura impressionante, foi uma dessas, dessas coisas que Deus dá de presente a certas pessoas, sabe? Então, ele e o outro sócio da agência, Oton Sherer, toparam. Então eu aceitei a proposta, com dor no coração, e deixei meus amigos adoráveis que eu até hoje eu visito no Mappin. Muito respeito mútuo existe entre o Rocca e a diretoria do Mappin. O Rocca que, quando soube a história do manequim disse: "Alex, acho que vou botar um manequim no porta-malas do meu carro” (risos). Mas como brincadeira, ele é muito bem casado e é como no meu caso, não teria necessidade disso.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL – ALCÂNTARA MACHADO (ALMAP)

O salário não tinha a menor importância. Era um pouco mais do que eu ganhava no Mappin, mas então eles me ofereceram sociedade. Mas pensei: “Sociedade numa agência com nove pessoas?”. Então propus: "Vamos começar, vamos ver o que vai acontecer no futuro, e aí decidimos" E graças a Deus foi um boom! O cliente mais imediato foi Volkswagen, Kombi. A equipe éramos eu e um assistente, o Ciro Constantini. Não tínhamos redator ainda e era eu quem fazia os títulos. Só depois tivemos dinheiro para contratar um redator, Plínio Telles, que já estava na agência mas no departamento de rádio e TV. Perguntei: "Plínio, você escreve português bem? Então vamos conversar porque uma coisa é escrever português, a outra coisa é como insinuar criativamente as frases.”.

E o Plínio pegou e fez campanhas memoráveis, como a campanha chamada "Põe na Cônsul", que não está no ar há uns 20 anos e até hoje é lembrada, como eu soube por um cliente dias atrás: "Alex, fizemos uma pesquisa e a campanha ‘Põe na Cônsul’ é mais lembrada do que todas que nós fizemos nesse intervalo, então eu queria a permissão, queria saber se você autoriza a gente a usar esse termo." "É claro, é uma maravilha. Pode usar." O cliente, hoje, está em outra agência, na Fischer, mas quando é que eu vou usar o termo "Põe na Cônsul"? Para quem? Jamais, para ninguém. Então, seria desaforo não aproveitar uma oportunidade dessa até para ser elegante, né?

Consegui pegar vários clientes com esse sistema do toque criativo, de mexer com o lado emocional. Nós anunciávamos ar condicionado da Westinghouse e podíamos fazer os anúncios que não traziam a fotografia do ar condicionado e informação técnica. A gente fazia um camelo de óculos escuros (risos). Com os guindastes da Caterpillar, a gente não fazia simplesmente um guindaste. A gente fazia a ponta do guindaste e trazia a informação de quantas toneladas levantava, dizendo assim: “Levanta x toneladas com essa facilidade” e na ponta tinha três bexigas de ar (risos), contrastando com aquela força do guindaste.

Num outro trabalho, pegamos a máquina de lavar Westinghouse e, em vez de dar só informação, colocamos uma modelo francesa, famosa na época, mais alta do que eu (ela tinha dois metros), linda a mulher, do lado da máquina. Então, fizemos o fundo cor-de-rosa, a máquina era cor-de-rosa e pus do lado a cadeira com duas crianças gêmeas. O texto era mais ou menos assim: “Quando você tem o trabalho em dobro é que ela mais aparece.". Mais uma vez a informação racional entrava pela emocional adentro porque, quem tem uma criança sabe o quanto uma máquina de lavar roupa ajuda (risos). E nasceu gêmeos. E da mesma forma que temos que ter eloquência escrita, temos que ter eloquência gráfica. Porque as pessoas leem mais depressa a linguagem gráfica até do que a escrita. Se você puder funcionar não como uma fotolegenda, mas com uma coisa enriquecendo a outra, tanto melhor.

EQUIPE

Depois do Plínio começou a chegar outras pessoas pra equipe: Helga, Armando Mihairovich, o Hans Donner, Joaquim Gustavo. Eu tenho uma lista no computador lá de profissionais maravilhosos que se deram muito bem com esse sistema. Hoje, todas as agências fazem esse sistema de dupla e até de mesão, fazendo brainstorm.

SONHOS E OBJETIVOS

Segundo Einstein, vale mais a imaginação do que o conhecimento. E nada começa se você não sonha antes, se você não imagina. Meu sonho é usar essa ferramenta chamada comunicação para melhorar a qualidade de vida de uma comunidade. Que essa ferramenta vende máquina de lavar e automóvel, ninguém mais tem dúvida. Mas, salvo um ou outro caso, ela não chegou a ser uma ferramenta de utilidade na mesma proporção para uma comunidade melhorar.

Por exemplo, tem uma cidade pequena nos Estados Unidos chamada Mini Small Town que festejou o centenário e uma fábrica de tintas fez uma promoção: "Quem quiser pintar a sua casa para festa do centenário, compra cinco latas e eu dou mais cinco latas de tinta." Aí vendeu tinta e todo mundo começou a pintar. A igreja, daquelas de Mórmon, estreita e pontuda, estava boa e não precisava pintar. Mas tantas pessoas pintaram que, por contraste, aquela igreja acabou ficando um pouquinho mais alaranjada. Então o padre chega e diz: "Olha, no fim de semana nós vamos pintar a igreja porque ela ficou um pouquinho manchadinha perto da beleza que vocês fizeram na cidade." E não apareceu ninguém para ajudar.

Daí ele foi consultar lá um homem da General Eletric, perguntando o que havia de errado e a resposta foi: "Você fez um pedido muito indigesto. Você falou: ‘vem pintar a igreja!’ e fica a sensação de ‘o sacristão, o padre e eu’.” Na semana seguinte ele mudou o pedido: "Quem quiser ajudar a pintar a igreja, pinta um metro quadrado e vai embora." Aí apareceram mais pessoas do que os metros quadrados que tinha.

Outro desses exemplos que eu me apaixono: uma cidade americana precisava de um caminhão de bombeiro novo – o que tinham era muito velho. Então, era simples, bastava escrever à prefeitura e solicitar a troca. A cidade disse: "Mas nós temos orgulho. Por que chatear a prefeitura que talvez tenha outras prioridades?” Então decidiram: “Cada um de nós vai fazer uma cota e vamos falar com a fábrica para arrumar um caminhão novo a preço de custo. Vamos pegar todo mundo que está aposentado aqui e vamos trabalhar uma hora por dia para polir o caminhão antigo – o metro quadrado outra vez – e vamos ficar com dois caminhões." Esse é, inclusive, um fato contado no curso de criatividade da Universidade de Buffalo, nos E.U.A.

Então essa coisa de usar comunicação pra que uma comunidade tenha uma reação positiva. É essa força que faz andar uma comunidade, ter um comportamento e se orgulhar disso, não ficando somente pendurada no governo. Uma das minhas ideias está praticamente no meio do caminho, um sonho meu que e vai estar pronto daqui a alguns dias: vou pegar 20 meninos de rua e montar uma fábrica de água sanitária. Esses meninos de rua vão fazer a água sanitária, com fórmula da USP, que eu já tenho. O farmacêutico da USP vai policiar a mistura e esses meninos serão proprietários dessa fábrica.

Eles vão engarrafando numa garrafa ideal, o nome está registrado, o rótulo está pronto e foi feito por grande direção de arte. Eu falei com Ana Diniz, do supermercado Pão de Açúcar, e ela topou fazer a produção dessa fábrica com exclusividade. Então vamos começar em uma ou duas lojas a princípio e ela manda buscar, ou seja, não tem problema de distribuição. No marketing, a Hebe não só me prometeu anunciar essa água sanitária de graça, como quer entrevistar os garotos. Eu disse que só os levo no dia em que eles estiverem recebendo dinheiro deles nas ações. E o banco BMC vai administrar a fábrica de graça.

Então, a primeira fornalha de dinheiro que eles ganharem, eles vão comprar uma roupa com gravatinha borboleta, aí eu levo no programa da Hebe. Se essa empresa der certo (e tudo indica que sim), a segunda unidade são as meninas de rua que vão fazer: uma fábrica de prendedor de roupa, com produção vendida, entrega, etc. E lá para frente, conversando com Julinho Neves, um arquiteto meu amigo, tenho um projeto que ele está quase abraçando, que é reaproveitar todas as madeiras que chegam em carro importado na Volkswagen, na Ford, para fazer alojamento bonito num terreno, como se faz as casas de São Francisco, toda em madeira, para servir de moradia para eles. Eles vão morar em beliches e no meio disso terão uma fábrica de propriedade deles.

A FEIRA DA BONDADE (APAE)

Aprendi muito trabalhando na Feira da Bondade, projeto idealizado por uma equipe que tem a Jô Clemente como madrinha. Ela e o Clemente, seu marido, têm um filho excepcional, o Zeca. Por isso que a APAE chama Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. E eles têm uma dedicação que vocês não imaginam, full time. Então eu fui convidado para a primeira feira, para ver como funcionava e entender a parte de publicidade e marketing. Então nós pedíamos mercadoria para a Gillette, para Volkswagen (que me deu um carro), para a Danone. E o primeiro ano de publicidade era o seguinte: "Ajude as crianças da APAE que Deus está vendo".

E tinha a cena no céu e a criança símbolo. O segundo também foi assim. Então no terceiro ano veio a grande lição (ou o seu grande problema): eu não tenho mais cara pra ir na Gillette ou na Volkswagen pedir coisa pra feira. Você dá um ano, dá dois, mas no terceiro, no quarto e daqui a dez anos, vou começar a dar o que? E outra coisa: você ficar pedindo esmola pela televisão dizendo “Vai lá, ajuda as crianças”, não é por aí. Mas como tudo está no comportamento das pessoas, e não nas suas ideias, começamos a pensar assim: não existe nenhum ser humano (ou pelo menos não conheço) que levanta cedo e diz "Hoje eu vou ajudar as crianças da APAE". Mas pra cada um desse que não existe eu conheço outros 100 que dizem "Se eu puder comprar uma calça Fiorucci pela metade do preço eu vou lá correndo." Então eu inverti a publicidade. Não se fala mais em criança. Fala-se em Feira da Bondade: calça Fiorucci pela metade do preço.

Então a Hebe Camargo, o Chico, a Marília Gabriela, todos os meus amigos começaram a ajudar a divulgar, a anunciar. Nas novelas da Globo, quando se vê quem que está in na novela, você pega a equipe toda, eles ajudam. Bruna Lombardi, uma amiga maravilhosa, tem feito tudo de graça. E eles não vão lá falar nada sobre crianças. Eles falam é: “"Olha, é lingerie importada” ou “É óculos da França” ou “É guarda-chuva italiano, custa 10 na praça e na feira vamos vender por 4”.

E assim foi solucionado esse problema: não se pede esmola mais. E para isso a gente não pede mais, a gente compra. Antes fazemos pesquisa pra saber o que as pessoas desejam comprar: “O que você gostaria de comprar mais barato na feira?” “Tênis importado." Então chamamos a Varig e ela nos ajuda a trazer 27 mil pares de tênis de Manaus e a gente paga pra ela um custo mínimo. E assim sucessivamente, tudo é pesquisado, tudo é comprado, tudo é feito com um lucro mais baixo e você anuncia a mercadoria, não o problema. E você percebe que a lição foi aprendida quando começa a ver o resultado disso: faturar três, quatro milhões de dólares em cinco dias, sem pedir nada pra ninguém. É satisfação profissional, vale quantas noites forem necessárias ficar lá.

REFLEXÕES SOBRE A ENTREVISTA

Eu fico com a sensação de ter falado demais. Quando estou com a minha mulher ao lado é mais fácil porque ela me belisca (risos), ela pisa no meu pé. Mas eu acho esse trabalho um achado. Quando vejo coisas desse tipo no exterior eu acho de uma sensibilidade incrível, de captar esses momentos e não deixar o passado morrer. Quando o passado é usado como adubo de aprendizagem, como fertilizante pra se fazer coisa melhor, eu acho muito válido.

Essa coisa de gravar o momento e depois vira um ferramental. É como quando a gente assiste filme dos grandes homens do passado, como Graham Bell, e percebe todas as dificuldades que eles tinham. A gente sente como é que era na manivela e enxerga como algo muito significativo o valor que essas pessoas têm como alicerce para uma grande ideia.

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